sexta-feira, 23 de abril de 2010

-- DLivro --

DIA DO LIVRO - Poderia citar aqui todos os livros de Nietzsche, todos e Álvares de Azevedo e muitos outros, mas meu livro do momento é o LIVRO DO DESASSOSSEGO (baixe) de Fernando Pessoa.

"Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. Tenho a náusea física da humanidade vulgar, que é, aliás, a única que há.
Não sabendo crer em Deus, e não podendo crer numa soma de animais, fiquei, como outros da orla das gentes, naquela distância de tudo a que comumente se chama a Decadência. A Decadência é a perda total da inconsciência; porque a inconsciência é o fundamento da vida. O coração, se pudesse pensar, pararia. Tudo me interessa e nada me prende.
Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde ela me levará, porque não sei nada... Nós nunca nos realizamos... Nessas horas lentas e vazias, sobe-me da alma à mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo uma sensação minha e uma coisa externa, que não está em meu poder alterar. Sinto um frio de doença súbita na alma.
Então, como se o vento nelas desse, e fossem nuvens, todas as idéias em que temos sentido a vida, todas as ambições e desígnios em que temos fundado a esperança na continuação dela, se rasgam, se abrem, se afastam tornadas cinzas de nevoeiros, farrapos do que não foi nem poderia ser. E por detrás da derrota surge pura a solidão negra e implacável do céu deserto e estrelado. Uma tristeza de crepúsculo, feita de cansaços e de renúncias falsas, um tédio de sentir qualquer coisa, uma dor como de um soluço parado ou de uma verdade obtida.
Reconheço, não sei se com tristeza, a secura humana do meu coração. Vale mais para mim um adjetivo que um pranto real da alma.... meus olhos que ardem dessas lágrimas mortas, ardem dentro do meu coração.
Toda a amargura retardada da minha vida despe, aos meus olhos sem sensação, o traje de alegria natural de que usa nos acasos prolongados de todos os dias. Verifico que, tantas vezes alegre, tantas vezes contente, estou sempre triste."

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