terça-feira, 2 de agosto de 2011

-- ReflexõesLiquidificador --

Pensar como esse liquidificador é para poucos.
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Não consigo ficar mais em silêncio, como antigamente. Maldita febre que me afasta da geladeira, do fogão, da pia, do relógio, todos esses objetos que trabalham maquinalmente, como diz o homem. Que não se importam, nem sabem que são chamados de objetos, coisas, utensílios da cozinha. E eu? Utensílio e mais o que? As hélices paradas, mas dentro de mim uma sucessão de ideias, pensamentos, sensações, moendo e remoendo meu silêncio, girando e triturando como lâminas.




Antes eu devia ser feliz, pq eu nem lembro como era, os motores não tem memória, nem precisam, Ser motor, ou melhor, não ser gente, já é uma forma de ser feliz. Os liquidificadores nascem nas fábricas e morrem no ferro velho, é uma história simples, uma trajetória em linha reta. Servimos enquanto estamos bons, somos trocados quando a máquina estraga. Já os homens não, pelo que eu pude observar deles até hoje, não sabem de onde vêem, pra onde vão, pq nascem, pq morrem, pra que vivem. Essa vida cheia de duvidas, eles chamam de vida consciente. E foi essa tal de consciência que me deram, quando trocaram algumas peças do meu mecanismo. O sentimento humano é uma hélice de dois gumes, uma lâmina alisa sua vaidade e a outra, a outra corta fundo no teu orgulho.
Eu deveria me lembrar mais sobre o corpo humano, cada parte é inimiga da outra. Os ouvidos torcem o que escutam, os olhos distorcem o que veem, a língua usa e abusa de frases pra seduzir, confundir, melhorar ou piorar as coisas, conforme lhe der na telha. Eu não tenho orelhas, nem olhos, nem boca, mas é como se tivesse, por esse visgo que peguei do convívio com as pessoas, pessoas que me deram consciência de vida e me deram também a consciência da morte. 
Mas apesar de tudo isso, seu eu pudesse escolher, se eu pudesse voltar a ser um simples utensílio da cozinha, insensível e mudo, eu não sei se eu voltaria... NÃO, não voltaria, pensar é um vício, sentir é uma cachaça, e toda essa espera angustiante, toda essa intriga de paixão e medo, tudo isso me fascina, a sorte que me espera é um mistério, uma ameaça, mas até lá, enquanto a noite avança, deixa eu botar meus parafusos pra cantar...."

Moer é pensar, pensar é moer.

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