Introdução
Ela passava novamente por uma
daquelas fases filosóficas, se perguntando qual o sentido da vida, e pq
continuava a correr atrás das coisas. Só que essa fase veio com um agravante,
ela se perdeu nos seus objetivos, então mesmo não sabendo pq, é importante ter
um objetivo na vida, e no meio do caminho ela havia perdido seu preciso e
fundamental objetivo.
Ela havia elaborado fazia tempo uma
espécie de fuga da realidade que ela autodenominava de “coma induzido”, que
consistia em tomar uma super dose de remédio para dormir e simplesmente apagar
durante um tempo, nessa teoria chegou a ficar mais de três dias, literalmente
apagada.
Depois de sair do emprego, sempre
em busca de algo melhor, que a levasse perto de seu até então, “objetivo
frustrado”, ela começou a ficar mais em casa, e começou a recorrer com mais frequência o “coma induzido”. Com o
tempo, a medicação não fazia mais efeito, e ela tinha que tomar cada vez mais
do mesmo remédio e conseguia dormir cada vez menos. Então, sem escolha, não
conseguiria mais fugir da realidade, teve que procurar ajuda.
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Filme: "Number 23" |
Ajuda
Ela foi em busca da cura, não só da
dependência do medicamento, mas também do “desejo de fuga”. Como não tinha
plano de saúde e estava desempregada precisou procurar pelo SUS, que agendou
uma consulta com um clínico geral para depois encaminhá-la para o psiquiatra.
Durante a consulta em 07/11/2012, ela teve que ela teve que expor os “pq’s”
conseguir tal encaminhamento. Foi relativamente bem atendida, pq além de
conseguir entrar para a fila de cirurgia bariátrica (sim, ela estava acima do
peso), ela foi encaminhada para internamento 24 horas, pedido urgente, para um
dos hospitais psiquiátricos da cidade.
No final da consulta ela estava lá,
sentada sozinha, chorando, por descobrir que estava muito mais gorda e louca do
que poderia imaginar.
O internamento
Precisaria de alguém para acompanhá-la ao hospital para
autorizar o internamento e futura alta. Conseguiu uma pessoa, passou em casa,
pegou algumas peças de roupas e produtos de higiene pessoal, livros, etc... e
foi para o hospital.
Foi muito bem atendida por uma psiquiatra, embora, ela ainda
suspeitava que todos eles achavam que era “tentativa de suicídio” o que ela chamava
de ‘coma induzido’, mas NÃO ERA.
Enfim, analisaram o caso e encaminharam para internamento,
metade das coisas que ela havia levado na mochila não puderam entrar, como
livros, canetas, até os óculos de grau ela teve que evitar entrar com ele.
Explicaram para ela que muitas daquelas coisas poderiam ser
utilizadas como “armas” para outras pacientes, que poderiam usar contra elas
mesma ou contra as outras pacientes. Naquele momento, ela ficou assustada, mas
continuou com o processo,certa de que seria eficiente e que precisava ser
forte, deixou o acompanhante na enfermaria e foi encaminhada para enfermaria,
onde fiquei quase uma hora esperando para ir para o pátio com as outras
internas.
As Internas
(detentas) / Pátios e Leitos (cadeia)
Sim, não sei se era o seu subconsciente funcionando, ou a
estrutura do prédio que remetia a isto, quando entrou, se sentiu entrando em
uma cadeia, dessas antigas, de filmes.
Ela já havia estudado algumas coisas sobre psicologia,
então, na teoria, já sabia o que a psicose, a bipolaridade (sim ela existe),
depressão, a crise de abstinência de algumas pacientes, ex usuárias e drogas,
causavam, mas, ao vivo e a cores, foi assustador.
Ela não queria criticar o sistema de saúde mental do estado,
mas achava que talvez o internamento devesse ser separado por alas, para
pacientes mais descontrolados com psicose e outra ala para depressivos, enfim,
é uma idéia. Achava que desta forma o tratamento seria mais tranqüilo.
Entrando no pátio, um jardim mal cuidado, com alguns bancos,
um banheiro e alguns balanços para adultos, ela foi recebida por algumas
pacientes que estavam mais “conscientes”. Conheceu duas internas que só estavam
ali fugindo da justiça, uma por roubo(algo assim), outra por crime de trânsito,
alegavam bipolaridade, depressão, estavam tentando burlar o sistema.
Conheceu Ana, a pessoa mais doce do mundo, que estava ali
por depressão pós parto ou por erro na aplicação de medicamentos no hospital
onde ela havia ganhado bebê, ela e Ana acabaram se apegando bastante uma a
outra, ela ajudava Ana com o básico, a se mover, comer, andar, tomar banho. Ana
o tempo todo chamava por deus e o nome de sua filhinha. Era de fato, de cortar
o coração, pq sabemos que um não iria responder pq não existe, e a outra,
estava longe e na sabia falar.
Mesmo sendo ateísta, ela teve que conviver com pessoas que
não tinham mais motivos pra acreditar em ‘deus’, pq chamavam e não eram ouvidas,
mas talvez até por falta de raciocínio lógico, elas ainda esperam que deus
respondesse.
Ela começou a observar as pacientes:
Uma bipolar, e só ali, ela foi conhecer uma verdadeira
bipolar, não essa modinha adolescente, que te amava em um minuto e no outro
queria te bater.
Uma velhinha bem agressiva, (a lembrou sua vó falecida), uma
outra velhinha que achava que era criança, o tempo todo com uma boneca na mão.
Uma que não conseguia falar e não ficava de roupa de forma
alguma, as enfermeiras o tempo todo, colocavam roupas nela, passava minutos ela
estava pelada de novo.
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Filme: Garota Interrompida |
Vi uma paciente com uma sacola na cabeça e perguntei pq, ela
estava com remédio para piolhos. No dia seguinte uma outra paciente que tinha
as cabelos longos, estava com o cabelo curto muito mal cortado, enfim, o medo
que ela tinha de piolhos, quase superou o horror do restante que ela via (fútil
não?).
Haviam pacientes que defecavam na roupa sentadas ao lado
dela, ela só percebia quando o cheiro se tornava insuportável e saia de perto
para chamar uma enfermeira para cuidar da paciente.
No mais, eram gritos, quase o tempo todo, o tempo todo
alguém se debatendo, tentando se matar com o sutiã, com a blusa. Durante o dia
não podiam dormir, tinham que ficar o tempo todo acordadas.
O que fazer o dia todo, além de acompanhar a movimentação
das pacientes em crise? Assistir TV, ligada o tempo todo na Globo, durante
essas 24 horas assistiu duas tentativas que eles chamam de terapia, uma de
fazer um horta e a tal da musicoterapia.
Ela não era médica, mas não achava que essas atividades
serviam para acalmar as pacientes durante alguns momentos e só. Então, ela
começou a concluir que o tratamento psiquiátrico não passava de medicamento e
controle dos ataques, não sabia mais, se de fato alguém saís curado dali ou sem
tomar mais remédios do que entraram tomando.
A comida, diziam que não era ruim, mas ela sempre foi muito
enjoada para comer, achou péssima, não comeu quase nada nestas 24 horas. Se
tivesse ficado mais tempo, talvez saísse da fila de cirurgia bariátrica.
Noite
A noite de 07 para 08/11/2012, para quem morava sozinha,
tomava remédio, só conseguia dormir em silêncio e escuridão total, a noite foi ‘torturosamente’
longa. Ele escondeu a sapatilha embaixo do colchão, recomendação de outras
pacientes, alegando que se não fizesse isso, a sapatilha iria desaparecer, pq
durante a noite, outras pacientes poderiam pegar e nunca mais ela a veria de
volta. Viu uma das pacientes (a bipolar) sendo amarrada na cama, ela se
recusava a tomar medicação e era uma das mais agressivas. Só conseguiu dormir
umas três horas, além da luz, ecoava pelos corredores brancos entre os leitos os berros de alguém tendo uma
crise.
Depois desta noite mal dormida e continuar tendo que
conviver com pessoas gritando o tempo todo, percebeu que de fato iria
enlouquecer, então resolveu pedir para que o responsável por ela pedisse alta
(só ele poderia fazer isso).
O Psicólogo
Quando o psicólogo chegou, a encontrou juntamente com a Ana
sentadas num cantinho. A chamou para conversar, é padrão para novas pacientes. Ele
fez as perguntas de sempre, questionou o pq dos profissionais e até pq ela
mesma havia optado por tal tipo de tratamento (internamento 24 horas). Desta
conversa, ela chegou a conclusão de que foi apenas mais uma tentativa de fugir
da realidade, visto que ‘seu coma induzido’ já não funcionava. Ele terminou a
sessão com perguntas e não com respostas, como ela esperava, depois de falarem
sobre toda a frustração que ela estava vivendo, ele a questionou? Se não
agüenta ficar aqui dentro, se ela agüentaria a realidade lá fora? Ela retrucou
dizendo que a realidade lá fora era muito diferente daqui. Ele terminou a
sessão com uma pergunta simples... “é?”. (são mesmo diferentes, as realidades?)
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American Horror History |
A decisão
Mesmo sendo questionada pelo psicólogo, resolveu pedir alta,
estava de fato enlouquecendo ali. A assistente social chegou a falar para o seu
acompanhante que ali não era lugar pra ela, pq ela estava lúcida. E se você não
estudou e se preparou muito para isto, é quase impossível conviver com esse
tipo de situação 24 horas por dia e não “enlouquecer”.
Sim, ela achava que no mínimo tiraria desta experiência,
aquele velho clichê, de que tem gente pior que ela, mas como o psicólogo disse,
esqueça os outros, não é pq não estão bem que você esteja.
A conclusão que chegou, foi que não queria voltar para um
lugar daqueles, sem opção de alta a pedido e que iria rever a utilização do medicamento,
iria rever do que de fato está fugindo, mudando de cidade, dormindo, se
internando, iria tentar tratamento com psicólogo/psiquiatra.
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Filme: Garota Interrompida |
Não saiu de lá, com uma grande mudança de vida, no final das
24 horas, ao atravessar os portões, seus problemas estavam a esperando, a
realidade continuava dura e as vezes assustadora, mas ao menos sabia o que não
queria.
P.S. Ela espera que a Ana esteja bem, espera um dia encontrá-la com a filhinha no colo.